quarta-feira, janeiro 28, 2009

O canto errante



Quem te pode cantar, depois do Canto
Que deste à Pátria, que to não merece ?
mmmmmmmmmmmkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk ~
Miguel Torga, Camões

terça-feira, janeiro 27, 2009

O príncipe da errância

Camões em Goa, Júlio Pomar


EPITÁFIO PARA LUÍS DE CAMÕES

Que sabemos de ti, se só deixaste versos,
Que lembrança ficou no mundo que tiveste?
Do nascer ao morrer ganhaste os dias todos?
Ou perderam-te a vida os versos que fizeste?

llllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll José Saramago

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Do Beco à Errância






Dois livros que chegaram hoje à escola. Dois livros para viajar. O dia de embarque é na quarta-feira.



Um livro

Um livro escreve-se uma vez e outra vez.
Um livro se repete. O mesmo livro.
Sempre. Ou a mesma pergunta. Ou
talvez
o não haver resposta.
Por isso um livro anda à volta sobre si mesmo
um livro o poema a prova a frase
tensa
a escrita nunca escrita
a que não é senão o ritmo
subterrâneo
o anjo oculto o rio
o demónio azul.

Um livro. Sempre.
Um livro que se escreve e não se escreve
ou se rescreve junto
ao mesmo mar.
Um livro.Navegação por dentro
errância que não chega a nenhuma Ítaca.
Um livro se repete. Um livro
essa pergunta
incognoscível código do ser.
llllllllllllllll
Metáfora de cornos e pés de cabra.
Um livro.Esse buscar
coisa nenhuma.
Ou só o espaço
o grande interminável espaço em branco
por onde corre o sangue a escrita a vida.
Um livro.

Manuel Alegre, Livro do Português Errante
llllllllllllllllllllll

O Tombo da Lua

UMA OCASIÃO, quando desapareceu a Lua, eu estava lá e sei contar tudo. Não me lembro da idade que então tinha e já na altura me não lembrava. Certo é que a noite estava muito quente e repassada de azul, assim de tinta – sói dizer-se – e a Lua tinha-se quieta, redonda e branca, brilhante como lhe competia. Provavelmente, o Zé Metade cantava o fado, postado à soleira da porta, enquanto acabava um saquinho de tremoços. O Zé Metade é assim chamado desde que lhe aconteceu aquela infelicidade: quis separar o Manecas Canteiro do Mota Cavaleiro quando eles se envolveram à facada na Esquina dos Eléctricos, por causa de uma questão, segundo uns política, segundo outros de saias. Ambos usavam grandes navalhas sevilhanas e o Zé caíu-lhes mesmo a meio dos volteios. Ali ficou cortado em dois, sem conserto, busto para um lado, o resto para o outro. Daí por diante ficou conhecido por Zé Metade, arrasta-se num caixote de madeira com rodinhas e deu-lhe para cantar todas as manhãs um fado melancólico e muito sentido: Ai a profunda desgraça! Em que me viste ó’nha mãiiii...

Mário de Carvalho, Casos do Beco das Sardinheiras

quinta-feira, janeiro 22, 2009

Para que serve um homem?

Edgar Pêra, Rio Turvo
mmmmm
“Nos caminhos feitos o homem está parado e um homem parado não serve para nada.” (Branquinho da Fonseca, in Rio Turvo)
Creio que esta é a resposta ao post anterior. Ulisses abandonou a perfeição de Ogígia porque "um homem parado não serve para nada". O que é que este pressuposto tem que ver com Os Lusíadas? Fico à espera da vossa resposta.
lllllllllllllllll

quarta-feira, janeiro 21, 2009

O que buscam os heróis?

- Oh, magnânimo Ulisses, tu certamente partes! O desejo te leva de rever a mortal Penélope, e o teu doce Telémaco, que deixaste no colo da ama quando a Europa correu contra a Ásia, e agora já sustenta na mão uma lança temida. Sempre dum amor antigo, com raízes fundas, brotará mais tarde uma flor, mesmo triste. Mas diz! Se em Ítaca não te esperasse a esposa tecendo e destecendo a teia, e o filho ansioso que alonga os olhos incansados para o mar, deixarias tu, oh homem prudente, esta doçura, esta paz, esta abundância e beleza imortal?
O herói, ao lado da Deusa, estendeu o braço poderoso, como na Assembleia dos Reis, diante dos muros de Tróia, quando plantava nas almas a verdade persuasiva:
- Ó Deusa, não te escandalizes! Mas ainda que não existissem, para me levar, nem filho, nem esposa, nem reino, eu afrontaria alegremente os mares e a ira dos Deuses! Porque, na verdade, oh Deusa muito ilustre, o meu coração saciado já não suporta esta paz, esta doçura e esta beleza imortal. Considera, oh Deusa, que em oito anos nunca vi a folhagem destas árvores amarelecer e cair. Nunca este céu rutilante se carregar de nuvens escuras; nem tive o contentamento de estender, bem abrigado, as mãos ao doce lume, enquanto a borrasca grossa batesse nos montes. Todas essas flores que brilham nas hastes airosas são as mesmas, oh Deusa, que admirei e respirei, na primeira manhã que me mostrastes estes prados perpétuos: - e há lírios que odeio, com um ódio amargo, pela impassibilidade da sua alvura eterna! Estas gaivotas repetem tão incessantemente, tão implacavelmente, o seu voo harmonioso e branco, que eu escondo delas a face, como outros a escondem das negras Harpias! E quantas vezes me refugio no fundo da gruta, para não escutar o murmúrio sempre lânguido destes arroios sempre transparentes! Considera, oh Deusa, que na tua Ilha nunca encontrei um charco; um tronco apodrecido; a carcaça dum bicho morto e coberto de moscas zumbidoras. Oh Deusa, há oito anos, oito anos terríveis, estou privado de ver o trabalho, o esforço, a luta e o sofrimento... Oh Deusa, não te escandalizes! Ando esfaimado por encontrar um corpo arquejando sob um fardo; dois bois fumegantes puxando um arado; homens que se injuriem na passagem duma ponte; os braços suplicantes duma mãe que chora; um coxo, sobre sua muleta, mendigando à porta das vilas... Deusa, há oito anos que não olho para uma sepultura... Não posso mais com esta serenidade sublime! Toda a minha alma arde no desejo do que se deforma, e se suja, e se espedaça, e se corrompe... Oh Deusa imortal, eu morro com saudades da morte!
Imóvel, com as mãos imóveis no regaço, enrodilhadas nas pontas do véu amarelo, a Deusa escutara, com um sorriso serenamente divino, o furioso queixume do Herói cativo... No entanto já pela colina as Ninfas, servas da Deusa, desciam, trazendo à cabeça, e amparando-os com o braço redondo, os jarros de vinho, os sacos de couro, que a Intendenta venerável mandava para abastecer a jangada. Silenciosamente, o Herói lançou uma tábua desde a areia até ao bordo de altos toros. E enquanto sobre ela as Ninfas passavam, ligeiras, com as manilhas de ouro tilintando nos pés luzidios, Ulisses, atento, contando os sacos e os odres, gozava no seu nobre coração a abundância generosa. Mas, amarrados com cordas às cavilhas aqueles fardos excelentes, todas as Ninfas, lentamente, se sentaram sobre o areal em torno da Deusa, para contemplarem a despedida, o embarque, as manobras do Herói sobre o dorso das águas... Então uma cólera lampejou nos largos olhos de Ulisses. E, diante de Calipso, cruzando furiosamente os valentes braços:
- Oh Deusa, pensas tu na verdade que nada falte para que eu largue a vela e navegue? Onde estão os ricos presentes que me deves? Oito anos, oito duros anos, fui o hóspede magnífico da tua Ilha, da tua gruta, do teu leito... Sempre os Deuses imortais determinaram que os hóspedes, no momento amigo da partida, se ofertem consideráveis presentes! Onde estão elas, oh Deusa, essas riquezas abundantes que me deves por costume da Terra e lei do Céu?
(...)
Depois de arrumadas e ligadas sob o largo banco as alfaias preciosas, o impaciente Herói, arrebatando o machado, cortou a corda que prendia a jangada ao tronco dum roble, e saltou para o alto bordo que a espuma envolvia. Mas então recordou que nem beijara a generosa e ilustre Calipso! Rápido, arremessando o manto, pulou através da espuma, correu pela areia e pousou um beijo sereno na fronte aureolada da Deusa. Ela segurou de leve o seu ombro robusto:
- Quantos males te esperam, oh desgraçado! Antes ficasses, para toda a imortalidade, na minha Ilha perfeita, entre os meus braços perfeitos...
Ulisses recuou, com um brado magnífico:
- Oh Deusa, o irreparável e supremo mal está na tua perfeição!
E, através da vaga, fugiu, trepou sofregamente à jangada, soltou a vela, fendeu o mar, partiu para os trabalhos, para as tormentas, para as misérias - para a delícia das coisas imperfeitas!
Eça de Queiroz, A Perfeição

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Vamos ler um novo Capuchinho

Paula Rego
mmmmmmmm
mmmmmmmmmm
Hoje, em Área de Projecto, estivemos a escolher livros com temáticas relacionadas com a sexualidade para fazer leituras encenadas para os colegas dos outros ciclos. Esqueci-me de sugerir este. Fica aqui um excerto pictórico e outro textual.
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Era uma vez uma menina muito, muito bonita que era, pode dizer-se com propriedade, a menina dos olhos de sua mãe e de sua avó.
(...)
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No jardim encontrou um vizinho que fazia jogging e que, quando a viu, se deteve, arfando, junto dela:
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"Olá, Capuchinho Vermelho. Então hoje a tua mãe não foi buscar-te à escola?"
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"Olá, Sr. Lobo (o vizinho chamava-se Lobo, era muito simpático e, às vezes, passava lá por casa tomar chá com a avó). Não, hoje vim sozinha. Já sou uma menina crescida."
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"Lá isso és, lá isso és....", disse o vizinho, olhando-a de alto a baixo.

in A história do Capuchinho Vermelho contada a crianças e nem por isso por Manuel António Pina segundo desenhos de Paula Rego

segunda-feira, janeiro 12, 2009

Era para ser de aulas, afinal é de neve

A neve pôs uma toalha calada sobre tudo.
Não se sente senão o que se passa dentro de casa.
Embrulho-me num cobertor e não penso sequer em pensar.
Sinto um gozo de animal e vagamente penso,
E adormeço sem menos utilidade que todas as acções do mundo.

Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa, de "Poemas Inconjuntos"
in Poesia , Assírio & Alvim, ed. Fernando Cabral Martins, Richard Zenith, 2001

quinta-feira, janeiro 08, 2009

Impressões da visita ao labirinto

E depois de Um fio de fumo nos confins do mar, de Alice Vieira

Na minha opinião esta obra é um pouco confusa ao ponto de o ler, voltar atrás e ler outra vez para perceber melhor. É confuso devido à sua mudança de assuntos muito rápida, fala das personagens enquanto jovens e depois fala delas já idosas. Fala do passado e depois passa para o presente várias vezes. Não gostei muito do final do livro porque Guilhermina fica sem saber quem é a sua avó e sai do programa sem saber nada. É interessante como a autora consegue deixar pressupor que Guilherme é o pai de Guilhermina sem nunca o dizer.
Guilherme Machado
llllll
Foi difícil ler este livro por isso foi uma vitória para mim. Achei um pouco confuso, dado que saltava do passado para o presente e ia acrescentando muitas personagens. Mas no cômputo geral gostei, é uma boa obra e gostei do final pois ando farto de finais felizes.
Luís Faria

Não gostei, achei desinteressante, porque esta história é uma história que tem um início muitíssimo confuso. Não percebi uma boa parte da história.
Fábio Canedo

A minha opinião sobre a obra é que não gostei, porque a história só conta coisas sobre Mina e sua família.
Luís Costa
Este é um livro, que à primeira vista é complicado de se perceber, pois ora está num determinado assunto ora já está noutro diferente. Mas é um livro interessante, pois faz-nos perceber como a vida por vezes pode dar uma grande reviravolta.
Joel Moura

Gostei muito da obra, porque nos ensina algumas coisas, como por exemplo a tratar bem as pessoas e a ficar a perceber que a família é muito importante, no entanto também achei o livro um pouco confuso porque passa de umas histórias para as outras.
Cristina Magalhães

Este livro pareceu-me confuso, mas depois de o ter lido acho que faz sentido. Agora até o título faz sentido, com a ideia de esperança de encontrar a avó, o que acabou por não acontecer.
Carina e Lúcia

Eu achei que era muito confuso porque não se percebe o que quer dizer. Não gostei do livro.
Ângela Monteiro

Apesar da obra ser interessante depois de se perceber a sua história, torna-se muito confusa porque retrata momentos do passado e do presente misturados.
Ana Teresa Machado

Apesar de não ser o género de leitura que mais aprecio, diria que é uma boa obra de Alice Vieira, sendo esta realista, aludindo a certos problemas que afectam hoje em dia as pessoas, como por exemplo serem obrigados ou irem de contra vontade fazer uma coisa que por sua vontade não o fariam.
Brandon Luz

Eu achei o livro um pouco confuso no início, sobretudo por causa das mudanças temporais, mas no fim conseque-se compreender. Apesar de não gostar de ler, acho que é um bom livro, mas a autora podia começar aescrever livros mais simples, se é que já não o faz.
Luís Kuski

segunda-feira, janeiro 05, 2009

O cinema por dentro do labirinto



Frederico Fellini, La dolce Vita, 1960.



David Lean, Brief Encounter, 1945.

Um fio de fumo no labirinto...



A soprano Raina Kabaivanska interpretando a ária «Un bel di vedremo», da ópera Madame Butterfly. A origem do título do livro de Alice Vieira.

Uma VOZ que ecoa no labirinto



O teatro vem abaixo com palmas e bravos.
Maria Callas vem receber os aplausos.
Uma vez, duas vezes, dez vezes.
Mademoiselle Nadine Fabre conseguiu contar vinte e cinco vezes. A partir daí baralhou-se, era a emoção, era a alegria, e perdeu-lhe a conta.
Mas os jornais do dia seguinte garantiram ter havido quarenta e duas chamadas ao palco.

Alice Vieira, Um fio de fumo nos confins do mar

Os labirintos onde alguns se perderam

aaaaaaQuando Mademoiselle Nadine Fabre entrou para o táxi que a havia de levar ao São Carlos, para a primeira récita de Maria Callas, em Lisboa, estava João Queiroz a enfiar Narcisa para dentro do seu enorme Chrysler preto, ordenando ao chofer que seguisse a caminho da clínica. Mademoiselle Nadine Fabre sorriu ligeiramente para o vizinho, mas ele baixou apenas a cabeça, distraído. (...)
aaaaaaMas mesmo que tudo se tivesse passado assim — o que, evidentemente, ninguém hoje consegue garantir — Mademoiselle Nadine Fabre não teria dado por nada.
aaaaaaPorque Mademoiselle Nadine Fabre estava muito longe.
aaaaaaMademoiselle Nadine Fabre fechou os olhos, e dentro do táxi transformou-se em Maria, é grega, o avião em que viajou de Madrid para Lisboa acabou de aterrar na Portela, está uma multidão à sua espera. (...)
aaaaaaMademoiselle Nadine Fabre, agora de olhos bem abertos, gosta de sentir o cheiro dos perfumes no foyer do teatro, gosta de olhar para os espelhos, para as alcatifas, para as pinturas, para os dourados. Senta-se na poltrona de veludo vermelho que lhe coube em sorte e está a minutos, a segundos, da realização do grande sonho da sua vida: ouvir Maria Callas ao vivo, a cantar La Traviata.
nnnnnnnnnnn
Alice Vieira, Um fio de fumo nos confins do mar

domingo, janeiro 04, 2009

Labirinto de letras

Ana Hatherly, Labirinto de letras
De regresso às aulas, às palavras, aos textos, aos livros. Amanhã me dirão que labirintos de letras percorreram nas férias de Natal...